sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O desafio de educar os filhos no mundo líquido



Educar os filhos, está aí uma tarefa difícil, instigante e trabalhosa. Guardando as particularidades de cada época, nunca foi diferente disso. Pergunte aos antigos. Lembro-me muito bem de minha mãe se desdobrando para educar quatro filhos, todos na fase escolar, com diferença de aproximadamente dois anos para cada um. O quarto filho, um temporão, tornou a tarefa ainda mais desafiadora. Agora, não me lembro que ela tinha a sua disposição um manual de orientações sobre a educação de filhos. Fazia tudo com amor, disciplina e claro anulação de si. O repertório de habilidades que possuía, vinha da observação nada empírica do jeito de ser de cada filho e suas demandas. Na observação, ela era capaz de perceber o humor de cada um e o que era necessário para equilibrar o emocional de cada filho. Meu pai, como os homens da época, não possuía essas habilidades. Era um excelente provedor, disciplinador e pouco afetivo.
Esses quase 35 anos na educação e minha experiência como pai, me leva ao entendimento que quem faz a opção de ter filhos naturais ou do coração, adota o mais difícil dos desafios, pois é uma tarefa que geralmente partimos para ela sem uma estratégia clara e nem uma visão panorâmica do terreno, mais ou menos com a postura intuitiva e otimista que assumimos diante de outras situações da vida. Aprende-se com a prática. Não há, de fato, outra maneira. Nesse sentido, aí é que mora o problema. Até que essa prática seja dominada...contudo, há uma certeza: lidar com os filhos anuncia um conjunto totalmente novo de solicitações e mudanças em nossas vidas, exigindo que renunciemos a muitas coisas conhecidas e que assumamos outras tantas desconhecidas. Talvez seja melhor assim, pois cada filho fundamentalmente é único.
Em se tratando de educação de filhos, outro aprendizado com os meus três filhos e com os muitos alunos que passaram por minha vida: a mesma coisa que fizemos ontem, até ontem, tinha dado certo, mas não necessariamente, vai funcionar hoje. Precisamos estar muito sintonizados no presente para sentirmos o que a situação exige. Por isso, eu sempre digo que não há uma fórmula de sucesso no que se diz método para criar filhos. É incrível como tudo muda, inclusive o juízo de valores que fazemos das situações. Essa necessidade de estarmos nos adequando sempre, é, sem dúvidas o que faz da tarefa de educar filhos a mais provocante de todos os nossos desafios. Portanto costumo dizer que a educação dos filhos é um trabalho singularmente pessoal. É uma prática que vem do íntimo de cada um de nós e por isso mesmo o estilo adotado por outra pessoa de nada nos vale. Precisamos é de criar um estilo nosso de acordo com a personalidade de cada filho nosso, visto que cada um, é um. Respeitar as individualidades dos filhos e confiar em nossa bagagem familiar e cultural, em nossos instintos humanos e em nosso coração, é, com certeza, um bom caminho para nos conduzir com sucesso na educação de nossos filhos.
Vivemos em uma cultura contemporânea extremamente líquida, onde não se valoriza muito educar os filhos. A modernidade líquida, conceito do sociólogo polaco Zygmunt Bauman, atesta que essa “cultura líquida moderna”, dissolveu os valores mais nobres da humanidade e, numa relação líquida, inconsistente, propiciou a globalização, o consumo e o relacionamento nas redes sociais. Essa modernidade líquida, não é mesmo o melhor lugar para que consigamos com sucesso absoluto a educação de nossos filhos, pelo menos nos padrões de uma outra época. Por isso o nosso espanto. Creio que estamos com dificuldade de nos situarmos nesse mundo aquoso, sem a solidez com a qual estamos acostumados por conta de nossa educação. Tal realidade nos provoca a buscarmos a compreensão do mundo de nossos filhos, a partir de experiências que eles estão vivendo e não com as experiências que nós carregamos. Assim, precisamos de entender o universo no qual nossos filhos estão vivendo para que, com as ferramentas pedagógicas mais atualizadas, possamos exercer essa tarefa de educar bem para a vida.
Certamente há coisas boas e razões para se ter esperança. Em todos os meus atendimentos e minha vivência de pai e educador, testemunho que há maneiras calorosas e criativas de orientarmos os filhos e nos aproximarmos deles. Tenho registros pessoais e profissionais que esforços de pessoas imaginativas e comprometidas com a sua missão de pais, resultam em impactos definitivamente significativos na vida de seus filhos. Uma educação comprometida com o amor, com a compreensão e pautada em um relacionamento mútuo de respeito, opera milagre na vida de qualquer um. Saber que cada filho é um ser e que o que é bom para o irmão ou para o filho do vizinho não necessariamente cabe a todos, é tratar cada um, como um ser único que de fato somos.

Fonte:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, ed. Zahar. 2003