segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O tique nervoso, será que é emocional?



Aproveitei o feriadão, para, entre outras coisas, aprofundar o meu conhecimento sobre o tique nervoso. Coloquei em prática o meu olhar psicanalítico.
O que seria o tique nervoso? Trata-se de uma contração muscular involuntária de caráter compulsivo. Como a gagueira, o tique nervoso pode ser de fundo emocional. Geralmente aparece na infância, pode passar por um período de latência e volta, na fase da adolescência ou fase adulta, principalmente diante de algum tipo de pressão emocional.
Foram essas manifestações físicas, que chamaram a atenção do pai da Psicanálise, Sigmund Freud. Como médico, sabia que a Medicina não encontrava uma explicação para tais manifestações. Hoje, embora a Neurologia tenha encontrado tratamento medicamentoso através de fármacos para diversos casos, é reconhecida a existência do inconsciente e da força do psiquismo diante desses tipos de manifestações físicas.
Vamos então, entender melhor: conflitos reprimidos represados no inconsciente funcionam como uma forte energia psíquica que pode se tornar insuportável. Assim, uma forma encontrada para “escape” é a linguagem corporal do sintoma psicossomático, no caso, o tique. Por isso, devemos estar atentos. Precisamos identificar em nossas crianças (aquelas que apresentam tique) as razões que estão provocando essa manifestação. A repetição sistemática de movimentos está denunciando uma compulsividade que nada mais é do que a “vasão” da pressão emocional. Muitas vezes não sabemos fazer essa leitura, entender o que está provocando esse transtorno que pode até ser transitório. Como gostamos de falar: “besteira de criança”. Pode ser! Mas, se a ação for prolongada, podemos ter então um déficit emocional instalado e aí é coisa para profissional que tenha experiência com crianças. Não se trata de pediatra. Pense em psicólogos ou psicanalistas. Há o que ser feito e deve ser feito com precisão e qualidade.
Muitas vezes, na escola, os educadores identificam o tique e ajudam os familiares, orientando-os, mas o olhar dos pais é fundamental. É preciso a observação doméstica e o compartilhar do olhar da Escola para que possamos juntos identificar com clareza o quadro e analisarmos possíveis encaminhamentos. Mas, o que devemos mesmo observar? Os tiques de maneira sonora como pigarrear, tossir, grunir, estalar a língua ou os de origem motora como repuxar a cabeça, entortar o pescoço, piscar, fazer caretas, pular etc, são clinicamente conhecidos como transtornos. Há situações graves como a síndrome de tourette que integra tiques motores e sonoros que é um Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e aí o quadro é outro.
Uma dica essencial é buscarmos saber se os motivos são ou não emocionais. Cabe reconhecermos se a manifestação é transitória, provocada por uma situação de momento e isso é natural e desaparece, ou se o caso é para terapia. Fato é, que a busca de solução é fundamental para que não ocorra a criação de estereótipos. 


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O outro em meu sujeito: “personagens distintas entre si e de mim”


O outro em meu sujeito: “personagens distintas entre si e de mim”
José Romero

“escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei”.
(Fernando Pessoa, o Livro do Desassossego)

Fernando Antonio Nogueira Pessoa, ou simplesmente Fernando Pessoa, foi um homem culto. Certamente a maior expressão do modernismo português. Buscou-se fazer-se compreender, utilizando-se da literatura como instrumento da sua verdade. Mostrou-se inteiro ao mundo, não por si somente, mas através da criação de seus heterônimos, escritores criados pelo escritor / poeta como forma de se fazer ler em suas indagações e conflitos.
Em um sentido amplo, o autor faz uso de linguagens e personalidades diferentes, na pessoa de cada Heterônimo como meio de expressão dos complexos, recalques e contraditórias existentes em seu aparelho psíquico. Fernando Pessoa, no seu inconsciente tem guardado, que é através da literatura que ele tentará conviver com todo o seu desespero em seus “múltiplos eus”. Como ele mesmo deixou registrado: “há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente”.
A complexidade e grandiosidade da Obra de Pessoa, principalmente a sua quase autobiografia, o livro do desassossego, é uma maravilhosa oferta de seu mundo psíquico e de suas dores, desejos e frustrações. Por isso mesmo, sinto-me atraído para buscar de forma mais profunda, salientar as angústias psíquicas desse que no meu entender é o maior escritor da língua portuguesa do século passado. Não quero aqui, debruçar-me sobre a sua obra e buscar interpretá-la a luz do conhecimento literário, mas sim mergulhar no homem Fernando Pessoa, na sua sexualidade, no sujeito e suas projeções, bem como na transferência de seu eu para eu de cada heterônimo que é a voz de cada eu que o autor convivia na complexidade de seu mundo interior.
“Não sei quem sou, que alma tenho. / Sinto crença que não tenho. / Sinto-me múltiplo / ... uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.”(1)
Seria os heterônimos a multiplicação da genialidade do poeta ou a despersonalização de seu eu? Quais seriam os componentes dos referidos heterônimos? O próprio Pessoa, tinha plena consciência da gênese de seus heterônimos. Em carta enviada a Adolfo casais Monteiro, ele deixou claro que seus heterônimos manifestam-se em três dimensões: psiquiátrica, a história direta dos heterônimos e a gênise dos heterônimos literários. Aqui me interessa mais a parte psiquiátrica. Ele afirma que a origem mental de seus heterônimos está na “tendência orgânica para a simulação. De certa forma, o que aqui temos é a fuga. É ele mesmo quem considera a despersonalização como um traço de histeria. Ele afirma: “estes fenômenos fazem a explosão para dentro...”(2)
Com uma tendência fictícia de ver a vida: “... dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação...”(3)
Fernando Pessoa se “desconstrói” e se “reconstrói” na pessoa fictícia de personagens com traços de personalidade que distinguem dos traços da própria pessoa. Ou nada disso, seria o próprio Pessoa se personificando em cada Heterônimo que passa a expressar por si em seus desejos e angústias. Assim Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, são na essência a fala interior de Fernando Pessoa. Segundo o próprio autor, ele consegue ser o outro, sem deixar de ser ele mesmo. Ainda que Fernando Pessoa afirme que não há que buscar em quaisquer deles ideias ou sentimentos dele, por muitas vezes eles exprimirem sentimentos que nunca teve o próprio autor no campo da psicanálise é impossível imaginar que os personagens estariam livres da “contaminação” das experiências de Pessoa. Essa construção de outros, não pode ser conseguida sem que haja neles elementos de vida do próprio autor.
Em psicanálise, essa transferência de personalidade, pode ser entendida como um caso de projeção. Embora o conceito de projeção compreenda diversas acepções que são mal distinguidas. Ele deve ser entendido como um comportamento onde o sujeito mostra pela sua atitude que assimila determinada pessoa a outra: diz-se então, por exemplo, que ele “projeta” a imagem do pai sobre o patrão. Também, o sujeito atribui a outros as tendências, os desejos, etc., que desconhece em si mesmo.(4)
Em carta escrita à Adolfo Casais Monteiro, em 13 de janeiro de 1935, Fernando Pessoa explica a forma como ele mesmo enxergava os seus Heterônimos: “passo agora a responder à sua pergunta sobre a gênese dos meus heterônimos.
Vou ver se consigo responder-lhe completamente.
Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterônimos histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenômenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registro dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterônimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenômenos – felizmente para mim e para os outros – mentalizaram-se em mi; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com outros; fazem explosão para dentro e vivo – os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher – na mulher os fenômenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas – cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem – e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia...
Isto explica, tant bien que mal, a origem orgânica do meu heteronismo. Vou agora fazer-lhe a história directa dos meus heterônimos. Começo por aqueles que morreram, e de alguns dos quais já me não lembro – os que jazem perdidos no passado remoto da minha infância quase esquecida.
Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (não sei, bem entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas coisas, como em todas, não devemos ser dogmáticos). Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, caráter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu, tem-me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar.
Lembro, assim, o que me parece ter sido o meu primeiro heterônimo, ou, antes, o meu primeiro conhecido inexistente – um certo Chevalier de Pas dos meus seis anos, por quem escrevia cartas dele a mim mesmo, e cuja figura, não inteiramente vaga, ainda conquista aquela parte da minha afeição que confina com a saudade. Lembro-me, com menos nitidez, de uma outra figura, cujo nome já me ocorre mas que o tinha estrangeiro também, que era, não sei  em quê, um rival do Chevalier de Pas... Coisas que acontecem a todas as crianças? Sem dúvida – ou talvez. Mas a tal ponto as vivi que as vivo ainda, pois que as relembro de tal modo que é mister um esforço para me fazer saber que não foram realidades.
Estas tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca saiu da imaginação. Teve várias fases, entre as quais esta, sucedida já em maioria. Ocorria-me um dito de espírito, absolutamente alheio, por um motivo ou outro, a quem eu sou, ou a quem suponho que sou. Dizia-o, imediatamente, espontaneamente, como sendo de certo amigo meu, cujo nome inventava, cuja história acrescentava, e cuja figura – cara, estatura, traje e gesto – imediatamente eu via diante de mim. E assim arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda hoje, a perto de trinta anos de distância, oiço, sinto, vejo. Repito: oiço, sinto vejo... e tenho saudades deles.(5)
“Fernando Pessoa não existe, propriamente falando”. Quem nos disse foi Álvaro de Campos, um dos Heterônimos do poeta. No livro Do Desassossego, obra inacabada de Fernando Pessoa. O que temos é um livro negação, pura subversão, o livro desespero, escrito em seu mais profundo desassossego. Muito antes dos “desconstrutivistas” quiseram mostrar a despersonificação do poeta Fernando Pessoa, foi ele mesmo que através de sua genialidade viveu na carne a sua própria anulação. Nessa fantástica obra, o autor nos presenteia com uma autoanálise. Vive e relata no papel o drama de que os acadêmicos querem elucidar. Utilizando-se do texto, sobre o texto o mundo dele em fragmentos nos convida a imaginar que o autor, sem nenhum interesse em compor uma obra literária, apenas faz uso da escrita para se denunciar ao mundo. Como ele mesmo salienta: “tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo.(6)
A necessidade emocional de se expressar em uma sociedade ultraconservadora, católica e em um período em que o fascismo domina o cenário político e social da Europa, claro que não é uma coisa simples. Viver nesse contexto, uma crise existencial profunda, parece não existir espaço. Fernando Pessoa é homem de seu tempo, amargo em suas crises e mais do que isso, uma pessoa solitária que via na arte de escrever uma forma de extravasar as suas frustrações. Seu ser é nitidamente conhecido como alguém que convive com enorme perturbação, destiladas no narrador retórico e no poeta recatado em seus valores.
A crise existencial, a abstinência sexeral com a impossibilidade de possuir outro corpo, na dimensão do amor, torna Fernando Pessoa, um enorme recalcado. Seu desassossego é na verdade uma perturbação de ordem existencial tão grande que o levou a descrença na fé, por ele entendida como uma “produção doentia”. Conviver com um eu tão conturbado parecia a ele uma tarefa muito difícil, daí a clara busca de expor seus conflitos, através de personagens criados como canais de comunicação com o mundo exterior. O oculto, se revelando no outro “que não é ele”, garantia o conforto de suas aflições em noites embriagadas no álcool e nas emoções conflituosas.



Bibliografia:
  1. Cleonice Berardinelli (org.) Fernando Pessoa – obras em prosa, vol. Único. Ed. Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 2004.
  2. Idem, pag. 95.
  3. Obra poética. Fernando Pessoa. Ed. Nova Aguilar S. A, 1992, pág. 165.
  4. Laplanche e Pontalis. Vocabulário da psicanálise, pág. 375.
  5. Trecho da carta de Fernando Pessoa, onde esclarece a origem de seus heterônimos. Carta escrita à Adolfo Casais Monteiro – 13 Jan. 1935. CX Postal 147. Lisboa.
  6. Pessoa. Fernando, Livro do Desassossego. Ed. Companhia das letras, trecho 148.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A escola tem que ter uma abertura para o mundo e o conhecimento do outro



O conhecimento do outro e o do mundo são saberes essenciais em uma Escola que se propõe a ensinar para a vida. Levar os alunos a olharem para a diversidade, ensinando-os a conviver com o diferente é fundamental não só para eles conhecerem o mundo real, onde vivem e se realizam como pessoas, mas também para que, conhecendo os outros, respeitando as diferenças, eles possam também se conhecer melhor e se posicionarem mais positivamente diante do mundo. A escola é, portanto, o espaço de formação (e informação) de pessoas. É o espaço do convívio humano nas suas primeiras práticas da existência. A escola, então, educa.
Educar é, entre outras definições, “trazer para fora” as nossas melhores possibilidades; é também aperfeiçoar o estilo de vida, tornando-nos mais humanos e menos predadores. Precisamos ser mais generosos e menos suicidas no sentido de nossa própria existência humana. Por isso, devemos estar abertos para as inovações, para a velocidade da informação e para a escuta do outro. Temos um mundo melhor, à medida que buscamos melhorar as nossas relações e o nosso entendimento do mundo. A escola é a oficina que molda o homem em valores, mas também é a oficina que forja o homem crítico capaz de conviver com os outros e acima de tudo se preparar para a felicidade. É também o teatro que encena peças na vida, dando às pessoas (alunos) a exata dimensão do que a vida irá querer de cada um. É na escola que, em primeiro lugar, aprendemos a lidar com rotina, disciplina, desafios, vitórias e frustrações. É na escola que ouviremos as vozes do mundo saindo da boca desse mundo e não de nossos pais. É na escola que conhecemos o outro e onde as janelas do mundo são escancaradas para que possamos tomar consciência desse mundo real. É na escola que o aluno é chamado à liderança, a compartilhar com o outro desconhecido e a aprender a se controlar e a se posicionar. Na escola, ele é o possível de ser a seu modo, sem que a absoluta proteção caia sobre as suas ações e comportamento.
Essa escola do século XXI se propõe a ser mais simples, mais capaz e mais eficiente para a aprendizagem e para facilitar o diálogo com a comunidade. Ter conhecimento e informação não é mais privilégio da escola, e alunos encontram na rede mundial tudo o que querem saber. A informação foi transformada em conhecimento, a partir da navegação na Internet. A escola, que era o centro irradiador (exclusivamente) dos saberes, vem ganhando um novo perfil. Em seu portfólio está a missão de ser facilitadora do desenvolvimento das relações humanas e o espaço de trocas sociais e culturais entre os membros de sua convivência. Ela ganha, então, importância no que tange não só às habilidades técnicas e às funções cognitivas: vem assumindo o papel de proteger a emoção, gerir os pensamentos, trabalhar perdas e frustrações, proatividade e capacidade de reinvenção. A Escola está sendo chamada, como instituição educadora, a libertar a criatividade e a construir relações saudáveis.
Escola que não valoriza a invocação das práticas e das relações sócio-culturais vigentes está presa no passado. Escola tem que avançar em seus ideais e gerar um ambiente de mudanças. Escola que reproduz práticas e ideias do passado permanece no passado, não consegue encontrar e se comunicar com o seu público. Não consegue conhecer o outro que está em seu mundo. Nesse momento, lembrei-me aqui de Fernando Pessoa, no heterônimo de Alberto Caeiro, que, escrevendo sobre escola, educação e o que havia aprendido, disse: “procuro despir-me do que aprendi. Procuro esquecer-me do modo de que me ensinaram, e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, desencaixotar minhas emoções verdadeiras, desembrulhar-me, e ser eu...” é isso. A escola verdadeira é a que permite que seus alunos construam o seu eu, a partir de suas vivências e tomadas de decisão amadurecidas pelos saberes que não formataram o indivíduo, mas sim ofereceram as ferramentas para a construção da felicidade e da plenitude. Portanto, a Escola tem que ser inovadora, provocadora, humana e capaz de transformar.