segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Criança irritada



Certa vez, quando eu era diretor de uma escola no interior do Estado de São Paulo, atendi a uma mãe com uma queixa relativamente comum. Ela estava muito preocupada com o filho que vinha apresentando quadro de irritação e agressividade. Nesse encontro, ela relatou que a irritação da criança não era só na escola, mas em casa com o irmão mais velho e também no condomínio, no convívio com as outras crianças. Anotei os pontos que achei necessário e resolvi atender à criança. Marquei um momento com ela, conversei, solicitei alguns desenhos e busquei interpretar a razão dessa agressividade. Em reunião com a orientadora escolar, pude constatar que havia, sim, algumas ocorrências envolvendo a criança e que era constante o mau humor da mesma em sala de aula. Muito bem, dei uma aprofundada no caso e aos poucos fui entendendo o que acontecia com aquele menino para um melhor encaminhamento.
Certo grau de agressividade é normal e, de certa forma, necessário e saudável para o psiquismo. Seria imprudente, a partir do relato da mãe e da observação do aluno, já dizer que havia um problema instalado. A mente humana é um terreno vasto, cuja exploração depende muito de investigação.  O ponto mais interessante, que muito me chamou a atenção, foi o fato de que a mudança de comportamento desse garoto aconteceu a partir dos 5 anos de idade. Ele já estava com 7 anos e parecia que a situação se agravava. Sendo assim, fiquei preocupado, pois é exatamente aos 5 anos de idade que acontecem processos importantes para o psíquico da criança. É exatamente nessa fase que o menino tem uma nova percepção da mãe no sentido emocional. É nessa fase que ele descobre a mãe não como uma extensão de seu corpo ou de sua existência, mas como uma pessoa que inclusive é diferente dele, pois ele é um menino e ela uma “menina grande”. Ele percebe que o pai é como ele e também percebe que o pai compartilha a atenção da mãe, gerando no inconsciente uma certa disputa pela atenção exclusiva da mãe. Se ele possui outros irmãos, aí a coisa torna-se mais complicada.  Isso acontece com todos os filhos meninos. A intensidade irá variar na proporção exata do cuidado com que os pais irão tratar a questão.
O ciúme é aí um sentimento natural e de certa forma saudável. Faz parte do crescimento humano.  É esse sentimento que toma a criança, que com certeza não consegue entender nada o que estou descrevendo aqui. Como ela não entende, torna-se agressiva. É uma forma de denunciar o “mau momento emocional” que está atravessando. No caso de meu aluno, foi fácil observar isso nos desenhos. Nessa fase, o desenho é uma forma da criança deixar “vazar” as suas emoções. É uma poderosa linguagem, através da qual podemos fazer uma leitura mais profunda do psíquico da criança.    A irritação dele, era uma forma de denunciar o ciúme enorme que sentia da mãe e da crise advinda da disputa que travava com o pai e com o irmão pelo carinho exclusivo da mãe. A “irritação“ é uma reação que revela uma situação emocional tensa que a criança está vivendo e que não sabe resolver ou mesmo entender o que se passa. No caso do referido aluno, pude constatar com a própria mãe, que de fato ela estava dando muita atenção ao marido, pois o casamento havia passado por um momento de crise. Essa atenção especial, dada ao pai, atingiu profundamente o filho que não estava sabendo conviver com a dor psíquica da perda do amor da mãe. Amor edipiano, mas tudo isso era real.
A mesma situação pode se instalar, quando a mãe, por questões profissionais, tenha que se dedicar mais ao trabalho. Também acontece, se a mãe tem que dar atenção a alguém da família por questão de saúde etc. A simples mudança de rotina familiar altera o quadro emocional das crianças, no caso meninos ou meninas de qualquer idade. Por isso mesmo, devemos estar atentos a essas mudanças. Certamente, ao longo dos anos, a rotina das famílias passa por mudanças. Nem sempre podemos fazer escolhas. Às vezes, somos obrigados a nos acomodarmos ao novo que para nós também foi uma surpresa e que nos desorganizou de alguma forma. Uma mudança no trabalho ou mesmo uma crise de relacionamento entre marido e mulher acontecem. Isso faz parte da vida e não estamos imunes. O que é necessário é estarmos atentos a essas mudanças para administrarmos da melhor forma o impacto sobre os nossos filhos.
Seja qual for o motivo da “irritação”, é importante que os pais não hipervalorizem a reação da criança. Sabemos que essa reação é de ordem emocional e não racional. A criança não se irrita assim por desejar isso. Ela está sofrendo uma perda, uma castração no sentido psicanalítico. O que precisamos fazer é manter a tranquilidade, buscar através de gestos e atitudes, mostrar ao filho que não está havendo perda do amor da mãe e colocar limites. Sentir culpa e ser permissivo para compensar algo será pior. Criança pede por limite. Demostre afeto ao filho e cabe ao pai promover a “castração” do édipo, de forma natural, mostrando-se o marido que precisa ser, sem com isso provocar disputa do filho pelo amor da mãe.
No caso aqui relatado, a irritação veio do Complexo de Édipo. Mas, muitas outras situações podem provocar irritação e agressividade nas crianças, independentemente de sua faixa etária. Serve aqui um alerta para os filhos adolescentes. O que fazer? Estar atentos aos sinais. Conversar sempre com as educadoras de seus filhos, demostrar afeto e atenção pelas coisas de cada um. Ter no lar, um ambiente tranquilo e emocionalmente seguro. Não discutir assuntos complicados perto das crianças e garantir a elas o seu amor incondicional. Contudo, não se esqueçam: os limites são essenciais para ajudar as crianças a controlarem os seus impulsos e a diminuir a sua angústia. Saibam que a irritação e a agressividade são erupções do mundo interior e, com certeza, indesejáveis. 


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O Mundo líquido das mídias



Vivemos em um tempo em que as coisas mudam com uma velocidade impressionante, principalmente no mundo da informação. Jamais tivemos tanto acesso às informações. A internet nos disponibiliza instantaneamente, principalmente através das redes sociais, uma montanha de informação. Os nossos filhos estão também expostos a elas, embora a maioria dessas informações veiculadas não seja exatamente aquilo de que precisamos em nossas vidas. O Facebook e o WhatsApp, só para falarmos nas mídias mais conhecidas, nos alimentam de informações, na maioria das vezes, com muitas distorções. São valores emitidos que nem sempre (quase sempre) não representam qualidade ou mesmo veracidade.  Assim, estamos de forma irreversível numa era de computadores, da World Wide Web, dos videogames, dos milhares de canais de TV a cabo. Um mundo de tecnologias e de informações relâmpagos.
Nós, seres humanos, não podemos nos nutrir de tecnologia. Ainda precisamos do alimento e, no campo emocional, do saudável convívio humano. Precisamos da acolhida da família, da vida em comunidade, da fé que nos suporta e do amor do outro. Nada disso está em uma tela de um dispositivo digital qualquer.  Não está nas “babás eletrônicas”, que ocupam as nossas crianças com jogos e navegação em sites ou mesmo em sites de bate-papo pela rede afora. Essa “amizade virtual” que tomou o lugar das brincadeiras de rua, podem ser uma grande ameaça à nossa cultura e ao modelo de humanidade que conhecemos. O diálogo cedeu lugar ao silêncio das crianças que não mais correm ou brincam, mas se relacionam na Web. Já não bastam as milhares de horas que passam à frente da televisão. O tempo todo, estão recebendo informações. Estamos mesmo certos da qualidade dessas informações?
Todos nós estamos aparelhados com Iphones, Tablets, Notebooks e tudo o mais que existe no mercado, para disfarçar o medo da solidão. Tudo isso, nos coloca em uma condição de um “ser líquido”, fragilizado em suas relações humanas condensadas com laços momentâneos e volúveis, na concepção de Bauman. Já falei dele para vocês. Diante de tudo isso, o que nos resta? Precisamos estar atentos aos efeitos dessa exposição em nossos filhos e observar cuidadosamente a relação que a nossa família tem com essa força midiática. Precisamos nos perguntar frequentemente o que está acontecendo no corpo e na mente de nossas crianças e, na busca dessa resposta, termos desnudada a realidade com a qual de fato lidamos. Precisamos estar atentos ao comportamento de nossos filhos e do nosso também. Não estaríamos também “perdidos” neste mundo ralo das redes sociais? Estamos dando aos nossos filhos a atenção necessária e estamos incentivando-os a brincar?  Pois é, essa é a grande questão. Não podemos deixar que a liquidez desse mundo fútil nos engula. Temos sim que estarmos abertos às ferramentas do mundo tecnológico e aproveitar as vantagens da utilização da internet. Precisamos sim ter acesso a informação rápida e nos comunicarmos em rede sociais. O que não podemos permitir é que a liquidez nos lave também. Precisamos de defesa contra tudo isso de ruim que existe nesse “mundo liquefeito”.
É possível promover experiências que não sejam limitadas por esse mundo midiático e bidimensional. Nossas crianças se sentirão maravilhadas quando as convidarem para um dia de praia, de jogos e brincadeiras que utilizem do corpo. De um dia com o amigo, correndo em um lugar amplo e gostoso. Proponha aos filhos desenharem, escreverem pequenas histórias, pintar ou cantar. Garantam que haverá um momento no dia em que você vai compartilhar a alegria de viver em família, de forma criativa e participativa. Permitam que seus filhos participem da cozinha com você, ajudando nos afazeres domésticos e na rotina do lar. Acompanhe-os por algum momento do dia nas lições de casa e verás que há sim muito tempo para que a sua criança fique longe de uma tela de TV ou de computador. Saberá que nas pequenas tarefas diárias, a participação de seus filhos dará a eles uma ocupação sadia e um relacionamento maravilhoso. Vamos começar?
         

FONTE: Myla e Jon Kabat-Zinn. Nossos Filhos, Nossos Mestres. Ed. Objetiva. RJ.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Ensine seus filhos a terem objetivos na vida

Tenho pensado muito sobre a necessidade de, como pai, ter uma participação mais ativa na influência de meus filhos no sentido de buscarem o que desejam na vida. Confesso que essa reflexão é bem atual. Não faz muito tempo, eu acreditava que a escolha deles, deveria ser apenas deles. Achava que o meu papel seria o de apoiar a escolha de cada um. Estou revendo essa postura. Acredito hoje, que para que os filhos sejam bem-sucedidos na vida é fundamental que ensinemos a estabelecerem os seus próprios objetivos. Assim, como nós adultos, as crianças e adolescentes quando sabem o que querem, tendem a ajustar sua conduta para obter o desejado. Deixá-los muito livres, pode ser uma janela muito aberta para eles, o que torna as escolhas muito difíceis. Sei da psicologia, que estabelecer objetivos é uma função dos lóbulos frontais do cérebro, a parte mais evoluída da mente humana. Para que haja mais eficiência nessa parte de nosso cérebro, é preciso saber o que se quer, o que achamos ser importante em nossa vida. Dessa forma, quando estabelecemos objetivos na vida, mantemos uma conduta mais focada, e buscamos aquilo que estamos desejando.
Observando adultos bem-sucedidos e mesmo crianças que se destacam, tenho constatado que todos têm em comum, um senso grande de responsabilidade e objetivos muito claros em suas vidas. São focados, determinados e comprometidos com os objetivos estabelecidos. Vejo isso nos alunos que se destacam, em profissionais que estão em condições diferenciadas de seus pares e aqueles que de fato realizaram os seus sonhos. É incrível como a determinação e a presença dos pais nessa escolha foi fundamental. Artistas, atletas e profissionais de sucesso dão esse testemunho o tempo todo. Por isso mesmo resolvi rever as minhas práticas e conduta de meus filhos. Quero então compartilhar com vocês essa experiência, apenas para que possa encontrar uma forma de ajudar os seus filhos a desenvolver o seu próprio milagre. Para tanto, convido a todos nós a nos tornarmos secretários de nossos filhos da seguinte forma:
Pegue uma folha de papel e uma caneta. Escreva com clareza quais são os objetivos de cada um. Vamos utilizar os seguintes títulos: Relacionamento com irmãos, pais e amigos. Depois coloque Relacionamento com a escola e com a sua carreira (QUANDO ADOLESCENTE). Depois coloque Objetivos atuais e futuros. Ao lado de cada título escrito, coloque o que é importante para o seu filho ou filha naquela área. Escreva o que ele deseja e não o que não quer. Obtenha a informação de seus próprios filhos. Se a criança está achando difícil, então ajude-a com exemplos e faça sugestões. Escreva sempre na primeira pessoa, pois é o filho ou a filha que está se comprometendo com aquilo. Terminado o trabalho, é importante fixá-lo em uma parte onde todos os dias a criança ou o adolescente possa ver. No espelho do banheiro por exemplo, em um quadro de aviso em seu quarto ou algo assim. O importante é que todos os dias possa focar no que foi estabelecido. Focar nos objetivos irá levá-lo a construir metas.
Baseado em uma estratégia de atendimento do psiquiatra infantil americano Daniel Goleman (Neurocientista, Psiquiatra Infantil e diretor da The Amen Clinic na Califórnia) construo como sugestão a “Página de minha vida”. Veja o exemplo:

PÁGINA DE MINHA VIDA: O QUE EU QUERO PARA A MINHA VIDA?

NOME:

RELACIONAMENTOS:

PAIS:
IRMÃOS:
AMIGOS:

ESCOLA:

COMPORTAMENTO:
COMPROMISSO:

CARREIRA: O QUE PRETENDO NA VIDA?
OBJETIVOS ATUAIS E FUTUROS:

Vamos aproveitar esse momento com os nossos filhos, para ensiná-los a se concentrarem naquilo que é importante para eles. Essa construção em conjunto dará a eles mais confiança e com certeza a sua autoestima se elevará. Nossos filhos, necessitam de nosso apoio, carinho, atenção e acima de tudo orientação. Não deixemos que encontrem a sua própria sorte, pois isso pode ser uma atitude negligente. Saibam que eles esperam de nós um encaminhamento em suas vidas. Não iremos sufocar, escolher para eles aquele que seria o nosso sonho, mas devemos ajudá-los a encontrar o seu próprio sonho. A vida torna-se mais gostosa e os desafios passam a ser vistos como etapas a serem vencidas para alcançarmos o que estamos procurando.