segunda-feira, 31 de março de 2014

TOME POSSE DO SEU EU


É na escola que a criança começa a estabelecer com a vida um pacto de verdade. Isso ocorre, pois é no convívio do mundo escolar, através das relações sociais e longe da proteção do lar, que a criança começa a tomar consciência real de sua existência como ser individual, bem como conhecer os diversos “jogos” que permeiam as relações humanas. Eu diria que a criança, nesse ambiente, no convívio com muitas pessoas, começa a tomar posse de sua verdade.
Na convivência no “espaço escolar”, a criança aprende mais do que o conhecimento que permeia um projeto pedagógico. Aprende também que o respeito a si e ao outro irá garantir que disponha de si mesmo, o que certamente permitirá a ela a descoberta de seu eu. Refiro-me aqui ao conhecimento de si nas múltiplas dimensões de nossa existência, seja ela material ou afetiva, física ou intelectual. É na escola que, em primeiro plano, descobrimos o que de fato nós somos. Assim, vejo a escola como o templo privilegiado para nos ensinar as coisas da vida.
O convívio com o “mundo-escola” ensina às nossas crianças  o que será decisivo para toda a sua vida: ser pessoa é acima de tudo saber lidar com você mesmo e com as outras pessoas. Também ensina as crianças a conhecer as diversidades. É nela que as crianças começam a perceber quem são. É o momento em que se estabelece a diferenciação. Por isso, é muito importante que a família acompanhe a vida de seus filhos nesse mundo fantástico e desafiador.
Certa vez, em um atendimento a um casal que buscava a escola ideal para o seu filho, colocaram como obstáculo o tamanho de minha escola, que lhe parecia muito grande. Em minhas considerações, apenas fiz uma pergunta: em que tamanho de mundo o filho deles deveria ser criado? O pai me respondeu: — Do tamanho desse mundo em que vivemos. Então eu disse a ele: — Venha para a minha escola, pois ela é grande e oferece a seu filho retratos da realidade do mundo lá fora. Ele não só matriculou o filho, mas trouxe mais alunos. Escola tem que ter esse papel. Tem que oportunizar o conhecimento formal, mas precisa oferecer aos educandos a chance de conviver e, principalmente, enfrentar a mesma realidade que encontrarão no mundo.
Pais superprotetores dificultam o ganho de autonomia de seus filhos, fazendo intervenções inadequadas nas questões deparadas por seus filhos na escola. Assim, eles não ajudam as crianças a encontrarem o seu eu e, principalmente, a tomarem posse do seu eu. Na verdade, o risco de nós pais projetarmos nos filhos os nossos medos e as nossas inseguranças é grande, quando não damos às nossas crianças a chance de elas mesmas resolverem as suas pendências. Necessita-se de orientação? No “Mundo da Escola” existem profissionais preparados e que não estão emocionalmente tão envolvidos nas situações para ajudá-los na construção de caminhos para a solução de seus problemas.

Em um sentido mais filosófico, digo a você que a escola é um teatro, na mais pura concepção grega onde as pessoas (Persona = Máscara) representam papéis. O que a escola, enquanto instituição formadora, se propõe é garantir que os atores desse espetáculo tomem posse do seu eu, firmando-se como pessoas portadoras de habilidades e competências que a tornem capazes de conhecer e solucionar os problemas que o mundo lhe apresentará em sua dimensão verdadeira.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Meu filho quer brincar na casa do amigo


Chega o final de semana e é sempre assim lá em casa. Várias crianças vindo brincar e algumas vezes, meus filhos indo à casa dos amigos. Eu conheço todos eles e me alegro ao ver a casa cheia. Sei que para muitos pais permitir aos filhos brincarem na casa dos amigos não é nada fácil. Na verdade, conheço vários casos em que os pais não permitem.
A questão que sempre provoca o impasse que leva ao não, quando o filho manifesta desejo de brincar na casa de um amigo, está no temor de quem cuidará das crianças. Há situações em que os pais acham os filhos ainda muito novos para uma “aventura” fora de casa. Há também o medo de que a criança poderá chorar ou até mesmo a insegurança de não saber se será bem cuidada no período em que se encontra na casa do amigo. Dormir, então? Nem pensar! Mas isso está correto?
Devemos considerar o desejo de nossos filhos de conhecer a casa de seus amigos, com os quais elas já brincam na escola. O desejo surge muitas vezes da necessidade de desvendarem os mistérios que povoam a sua imaginação. “Que brinquedos o meu amigo tem?” “Onde ele guarda os brinquedos?” Tudo isso está intrigando a imaginação fértil das crianças. Também querem experimentar outros costumes familiares como alimentação diferente, experiências de convívio e domínio das diversas emoções em um espaço físico diferente. Crianças adoram isso, pois tornam-se fascinantes as experiências onde elas estão sós. Portanto, não há mal em deixar, claro, em total confiança. Por isso mesmo não tenha vergonha de telefonar para o pai ou mãe do colega de seu filho e levantar questões que lhe garantam segurança. É preciso ter confiança na família e saber que tudo estará sob o controle e guarda de um adulto.
Quando seu filho(a) manifesta a vontade de ir à casa de um amigo, certamente é porque ele gosta deste amigo e se sente seguro, tem afetividade e, claro, se sentirá bem acolhido na casa dele, principalmente quando ao telefone, você se certificar de que os pais do amigo estão querendo recebê-lo(a). Para facilitar a estada de seu filho na casa do amigo, basta marcar o horário de ir levar e buscar, e orientá-lo a respeito de cuidados que deva ter. Mas tudo com naturalidade, afinal ele está indo à casa de seu amigo. Amigos são importantes e queridos.

O momento da brincadeira é uma oportunidade para a criança experimentar o mundo, realizar relacionamento social, elaborar a autonomia e organizar as emoções. Brincar com amigos e em ambientes diferentes do seu favorece alguns princípios como compartilhar, cooperar e exercer liderança. Sozinho, a criança ao brincar não consegue desenvolver todas as habilidades que são desenvolvidas quando ele brinca com outras crianças e principalmente em um lugar, longe da superproteção dos pais. Por isso mesmo, eles precisam brincar. Receber amigos em casa e visitar a casa de outros faz parte de um importante “jogo” que contribui para a maturidade das crianças.

segunda-feira, 17 de março de 2014

O mundo da leitura só tem significado para as crianças, quando o texto for carregado de sentido


Sou leitor, escritor, educador e pai. Sei a importância da leitura e também o seu significado para a construção do sentido da vida na mente das crianças. A construção de pessoas felizes, seguras e conscientes começa bem cedo, logo na primeira infância. Nessa fase do desenvolvimento humano, tomar contato com a vida e seu significado torna-se mais fácil quando alcançamos o imaginário das crianças através dos contos de fadas.
A criança, à medida que cresce, deve aprender passo a passo a se entender melhor e também a entender os outros para que possa viver com eles de forma significativa. Portanto, temos que estar atentos aos livros e às histórias que estamos oferecendo a eles. Sei que o mercado editorial oferece milhares de títulos e que nos perdemos com a imensa oferta de livros de diversos gêneros e com propostas variáveis. Tenhamos cuidado! Grande parte da literatura infantil e infanto-juvenil está desprovida, em seu texto, de recursos que levem as nossas crianças a lidar com conflitos interiores e que sejam significativos para promover o encontro do leitor (a) com o “sentido da vida”.
Torna-se muito importante considerarmos que a leitura fica destituída de significado e importância se o livro que se lê não acrescentar nada de importante na vida do leitor. A ideia de que aprendendo a ler a criança mais tarde poderá enriquecer a sua vida só será de fato uma verdade se a leitura ultrapassar os limites “apenas informativa”, se a história que a criança ler ou ouve não for “oca” de sentido. Conheço leitores adultos que leem com voracidade, que terminam um livro sem que a mensagem do autor tenha sequer provocado nele qualquer reflexão que cause impacto na sua vida. Leu por ler, sem significado ou sentido. Não podemos formar leitores assim! A escola orienta, propõe e indica obras para que eles se tornem bons leitores.
Sob esses aspectos, vale considerar que, com raras exceções, nada é tão enriquecedor às crianças, como para jovens e adultos, do que o conto de fadas folclórico. Através deles, pode-se aprender mais sobre os problemas da alma humana e sobre as soluções corretas e éticas para seu entendimento em qualquer sociedade. Como a criança está exposta à sociedade e aos conflitos interiores próprios de sua idade, é através do conto de fadas que ela encontrará mais subsídio emocional e psíquico para o entendimento das aflições da vida. Por isso mesmo leiam e discutam com elas os clássicos desse gênero como João e Maria, A Bela e a Fera, Os Três Porquinhos, Branca de Neve e Os Sete Anões e demais títulos. Sinceramente não é só a criança ou o jovem que aprende, nós também. Estou lendo o livro de Hans Jellouschek, Espelho, espelho nosso, publicado pela Editora Venus. O que a análise de alguns contos de fada pelo autor nos revela faz com que o nosso inconsciente vibre.

Os livros são nossos melhores amigos, dizia sempre a minha mãe para nós lá em casa. Leiam sempre para os seus filhos. Leiam com os seus filhos. Deem a eles livros de presente. No futuro vocês terão uma grata satisfação de tê-los bem engajados nesse mundo da leitura para conquistar aprendizagens significativas para a vida. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

A mente dos pequenos


No decorrer da vida, o cérebro humano passa por um processo de crescimento e eliminação de algumas vias associativas e o fortalecimento de outras. O estímulo e o afeto contribuem para que as conexões neurológicas se fortifiquem. Aproximadamente 75% do desenvolvimento cerebral humano ocorre fora do útero e é diretamente afetado pelo ambiente (p. 29). Por isso mesmo a vida na família e na escola tem uma importância fundamental para o perfeito desenvolvimento da criança. Crianças que aproveitaram pouco da escola e cujo convívio com a família é emocionalmente comprometido serão adolescentes e adultos que certamente apresentarão muitas perdas nas conexões neurológicas.
Considerando que a mente humana está pronta para aprender e que o cérebro humano necessita de estímulos e desafios, enumero algumas recomendações gerais da neurociência que muito nos ajudarão a garantir condições favoráveis ao desenvolvimento de nossas crianças. Essas recomendações aqui expostas são uma síntese das orientações dadas a nós, pais e educadores, pelo psicólogo e neurocientista Bigel Latta em seu livro, Por Dentro da Cabeça do seu filho.
De maneira didática, destaquei estas orientações:

1. Mantenha seus filhos bem nutridos, saudáveis e seguros. O alimento perfeito para o bom funcionamento cerebral é o saudável;
2. Desenvolva com seus filhos uma relação afetuosa, carinhosa e consistente. Uma relação afetuosa com suas crianças provocará um cérebro rico em conexões;
3. Conheça as necessidades individuais de seus filhos. Brinque quando puder e coloque-os para descansar, quando necessário. É preciso entender cada um e conhecer o seu time. Cada um é um ser independente. É uno e pleno em suas emoções e desejos;
4. Mantenha com seu filho um diálogo aberto, leia para ele e, quando ele for maior, incentive-o à leitura. Ler estimula as conexões neurológicas. “Malhar” o cérebro é essencial;
5. Incentive seus filhos a brincarem e a explorarem o mundo. Quanto mais experimentarem a vida, melhor. É preciso dar a eles a oportunidade de construir relacionamentos e desenvolver habilidades;
6. Rotina e disciplina são aspectos essenciais. Crianças necessitam de limites; e acreditem: isso reforça a sensação de segurança;
7. Participe da vida escolar de seus filhos, conversando com eles a respeito do que estão aprendendo e estimulando-os à pesquisa;
8. Estabeleça um relacionamento feliz com os seus filhos. Deixe-os certos de que você é uma pessoa realizada e segura;
9. Os pais moldam as crianças, por isso fiquem atentos ao que dizerem e como agem. Sejam naturais e preservem as crianças de situações embaraçosas e que não têm a ver com a sua faixa etária;
10. Não se desespere. Nós, às vezes, gritamos, dizemos coisas desagradáveis de vez em quando e nos estressamos. É assim mesmo, somos humanos. Apenas cuide para que isso não seja constante.

Muito bem, o livro de Nigel Latta é muito interessante e recomendo a leitura. Ele é uma importante ajuda para pais de crianças pequenas, mas quando o lia, percebi que sua leitura muito contribuiu para pais de crianças maiores e até adolescentes. Afinal, os nossos filhos sempre serão nossas “crianças” no sentido de nossa preocupação e nosso compromisso.


Bibliografia: Latta, Nigel. Por Dentro da Cabeça do seu filho. Ed. Fundamento Educacional. São Paulo, 2009.