Tenho defendido em minhas falas mais recentes a importância
da leitura para a formação da criança. Usando a linguagem figurativamente, os
contos de fada e as histórias infantis
nos ajudam a lidar, de forma literária e artística, com problemas do nosso
cotidiano. Esses textos, aparentemente tão inocentes e de pouco conteúdo,
ensinam as crianças através de exemplos.
E nos ajudam como pai ou educador a repensar as relações humanas e os riscos a
que diariamente nos expomos.
Sem nos fazer sofrer
muito, a Borralheira nos coloca em
contato com a relação conflituosa entre irmãos;
o clássico “Chapeuzinho Vermelho” nos alerta sobre os perigos da sedução
do desconhecido, ali representado pelo Lobo Mau, reforçando nos pais a
consciência dos riscos envolvidos no desenvolvimento de seus filhos. Com muita
persuasão, o Lobo Mau tira a Chapeuzinho Vermelho, tão bem orientada
pela mãe, de seu caminho e consegue dela
o endereço da casa da vovó. As crianças
estão sujeitas a perigos assim durante a
vida, e Charles Perrault nos dá esse alerta.
A combinação de vários elementos no enredo de uma história
infantil desperta o interesse e mexe com o imaginário das crianças,
adolescentes e adultos. Comumente essas histórias falam de amor e de ódio, da
disputa e da necessidade de vencer limites. Suscitam a questão da ética e do
respeito e fazem com que os leitores assumam para si as características do
personagem. Há sempre uma mensagem subjacente que atua no inconsciente de
todos, pois os contos envolvem conflitos, necessidade de transformação,
superação e trazem todos os ingredientes necessários para uma vida feliz e de
sucesso. Essa é a magia da literatura.
Quando escrevi O Sapo Leleca e a Princesa Lili, trabalhei
com todos esses elementos. E nas contações de histórias que acompanho, percebo
o quanto que a saga do sapo Leleca mexe com o imaginário infantil. As crianças
testemunham a mudança do sapo, que se transforma em camponês por magia e pela
busca do amor e a do camponês, que,
novamente impulsionado pelo amor, se transforma em príncipe e casa-se
com a princesa, que ele salvou do ataque perverso de um lobo.
Todas essas mudanças que personifiquei na minha história
estão presentes no imaginário infantil. E como estão em fase de pleno desenvolvimento orgânico e
sócio-afetivo, estimulando-as a crescer,
a se “transformar”, as crianças sentem
a própria capacidade de mudar e
a associam às próprias vidas. De certa
forma, elas, diante das ações heroicas
dos personagens, se veem no sonho do próprio personagem, aprendendo com ele a
superar as dificuldades e tendo na força do exemplo a habilidade emocional
necessária para conquistar a maturidade e a autonomia por todos tão sonhadas.
Nos contos de fada é característico colocar um dilema da
existência humana que possibilita à
criança compreender o problema em sua forma mais essencial, já que uma
trama mais elaborada certamente confundiria o seu entendimento. As figuras e os
personagens são criados de forma a colocar o bem e o mal sempre em uma situação
de confronto. Os conflitos reproduzem os nosso dilemas, e a trama leva à solução desses problemas. O mal, presente
no poderoso gigante, no lobo, na bruxa, na madrasta e em tantos outros
personagens, nos leva sempre a uma
profunda reflexão sobre moral e ética. E a eterna vitória do herói virtuoso contra o mal é
objeto que imprime moralidade à nossa
vida.
Toda essa dinâmica
faz com que pais e professores levem as crianças a um ambiente seguro, em que
as identificações com os personagens do bem fazem um reforço inconsciente dos valores mais
dignos. Por isso, é muito importante a leitura. Deixo aqui, mais uma vez, um grande desafio a todos: encaminhem seus
filhos ao mundo da leitura desde a idade mais tenra, dando–lhes livros de
presente e lendo para eles. Contem as histórias clássicas da literatura mundial
e (re)descubram o quanto elas nos
ensinam, libertando a nossa capacidade imaginativa e nos preparando para a
vida. Tenham certeza de que as histórias infantis ajudam e muito na educação e
na formação das crianças!
Fonte: BETTELHEIM, BRUNO. A Psicanálise dos Contos de Fadas. 16ª edição – ED. Paz e Terra. 2002.
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