Certa vez, quando eu era diretor de uma escola
no interior do Estado de São Paulo, atendi a uma mãe com uma queixa
relativamente comum. Ela estava muito preocupada com o filho que vinha
apresentando quadro de irritação e agressividade. Nesse encontro, ela relatou
que a irritação da criança não era só na escola, mas em casa com o irmão mais
velho e também no condomínio, no convívio com as outras crianças. Anotei os
pontos que achei necessário e resolvi atender à criança. Marquei um momento com
ela, conversei, solicitei alguns desenhos e busquei interpretar a razão dessa
agressividade. Em reunião com a orientadora escolar, pude constatar que havia,
sim, algumas ocorrências envolvendo a criança e que era constante o mau humor
da mesma em sala de aula. Muito bem, dei uma aprofundada no caso e aos poucos
fui entendendo o que acontecia com aquele menino para um melhor encaminhamento.
Certo grau de agressividade é normal e, de certa
forma, necessário e saudável para o psiquismo. Seria imprudente, a partir do
relato da mãe e da observação do aluno, já dizer que havia um problema
instalado. A mente humana é um terreno vasto, cuja exploração depende muito de
investigação. O ponto mais interessante,
que muito me chamou a atenção, foi o fato de que a mudança de comportamento
desse garoto aconteceu a partir dos 5 anos de idade. Ele já estava com 7 anos e
parecia que a situação se agravava. Sendo assim, fiquei preocupado, pois é
exatamente aos 5 anos de idade que acontecem processos importantes para o
psíquico da criança. É exatamente nessa fase que o menino tem uma nova
percepção da mãe no sentido emocional. É nessa fase que ele descobre a mãe não
como uma extensão de seu corpo ou de sua existência, mas como uma pessoa que
inclusive é diferente dele, pois ele é um menino e ela uma “menina grande”. Ele
percebe que o pai é como ele e também percebe que o pai compartilha a atenção da
mãe, gerando no inconsciente uma certa disputa pela atenção exclusiva da mãe.
Se ele possui outros irmãos, aí a coisa torna-se mais complicada. Isso acontece com todos os filhos meninos. A
intensidade irá variar na proporção exata do cuidado com que os pais irão
tratar a questão.
O ciúme é aí um sentimento natural e de certa
forma saudável. Faz parte do crescimento humano. É esse sentimento que toma a criança, que com
certeza não consegue entender nada o que estou descrevendo aqui. Como ela não
entende, torna-se agressiva. É uma forma de denunciar o “mau
momento emocional” que está atravessando. No caso de meu aluno, foi fácil
observar isso nos desenhos. Nessa fase, o desenho é uma forma da criança deixar
“vazar” as suas emoções. É uma poderosa linguagem, através da qual podemos
fazer uma leitura mais profunda do psíquico da criança. A irritação dele, era uma forma de denunciar
o ciúme enorme que sentia da mãe e da crise advinda da disputa que travava com
o pai e com o irmão pelo carinho exclusivo da mãe. A “irritação“ é uma reação
que revela uma situação emocional tensa que a criança está vivendo e que não
sabe resolver ou mesmo entender o que se passa. No caso do referido aluno, pude
constatar com a própria mãe, que de fato ela estava dando muita atenção ao
marido, pois o casamento havia passado por um momento de crise. Essa atenção
especial, dada ao pai, atingiu profundamente o filho que não estava sabendo
conviver com a dor psíquica da perda do amor da mãe. Amor edipiano, mas tudo
isso era real.
A mesma situação pode se instalar, quando a mãe,
por questões profissionais, tenha que se dedicar mais ao trabalho. Também
acontece, se a mãe tem que dar atenção a alguém da família por questão de saúde
etc. A simples mudança de rotina familiar altera o quadro emocional das
crianças, no caso meninos ou meninas de qualquer idade. Por isso mesmo, devemos
estar atentos a essas mudanças. Certamente, ao longo dos anos, a rotina das
famílias passa por mudanças. Nem sempre podemos fazer escolhas. Às vezes, somos
obrigados a nos acomodarmos ao novo que para nós também foi uma surpresa e que
nos desorganizou de alguma forma. Uma mudança no trabalho ou mesmo uma crise de
relacionamento entre marido e mulher acontecem. Isso faz parte da vida e não
estamos imunes. O que é necessário é estarmos atentos a essas mudanças para
administrarmos da melhor forma o impacto sobre os nossos filhos.
Seja qual for o motivo da “irritação”, é
importante que os pais não hipervalorizem a reação da criança. Sabemos que essa
reação é de ordem emocional e não racional. A criança não se irrita assim por
desejar isso. Ela está sofrendo uma perda, uma castração no sentido
psicanalítico. O que precisamos fazer é manter a tranquilidade, buscar através
de gestos e atitudes, mostrar ao filho que não está havendo perda do amor da
mãe e colocar limites. Sentir culpa e ser permissivo para compensar algo será
pior. Criança pede por limite. Demostre afeto ao filho e cabe ao pai promover a
“castração” do édipo, de forma natural, mostrando-se o marido que precisa ser,
sem com isso provocar disputa do filho pelo amor da mãe.
No caso aqui relatado, a irritação veio do
Complexo de Édipo. Mas, muitas outras situações podem provocar irritação e
agressividade nas crianças, independentemente de sua faixa etária. Serve aqui
um alerta para os filhos adolescentes. O que fazer? Estar atentos aos sinais.
Conversar sempre com as educadoras de seus filhos, demostrar afeto e atenção
pelas coisas de cada um. Ter no lar, um ambiente tranquilo e emocionalmente
seguro. Não discutir assuntos complicados perto das crianças e garantir a elas
o seu amor incondicional. Contudo, não se esqueçam: os limites são essenciais
para ajudar as crianças a controlarem os seus impulsos e a diminuir a sua
angústia. Saibam que a irritação e a agressividade são erupções do mundo
interior e, com certeza, indesejáveis.
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