Estamos em um tempo histórico, em que a
criança está tendo muita visibilidade. Especialistas de diversas áreas do
conhecimento teorizam a respeito da criança e da infância. Ora superprotegida,
ora com imensos poderes, a criança tem sido também alvo de consumo, acesso a
tecnologia, legislação e tudo o mais que faça com ela seja quase comparada a um
adulto. Estamos assim, imersos em uma cultura que coloca a criança como um
sujeito universal, embora convivamos com a separação entre o mundo infantil do
mundo adulto. Paradoxalmente, mesmo sabendo da coexistência desses dois mundos,
vivemos em um que exige da criança uma maturidade, que ela não pode apresentar.
Reconhecer e dar às crianças visibilidade não
significa fazê-las virar heróis e muito menos levá-las ao mesmo tratamento que
dispensamos aos adultos. A infância, primeiro estágio de evolução na vida
humana, deve ser cuidada com atenção, mas não como sendo um “momento
privilegiado” dessa evolução humana. O desenvolvimento humano é um processo que
vai do nascimento à morte, e em cada momento desse desenvolvimento há
necessidade de cuidados especiais às pessoas. Em todo esse processo, o ser
humano está sujeito a conflitos, a necessidades biológicas e sociais. Portanto,
cada período do desenvolvimento humano é essencial. Sendo a criança um ser de
grande potencial de aprendizagem, cabe a nós, adultos, pais e educadores,
oportunizar a ela condições sociais, culturais, ambientais e biológicas para
que o seu desenvolvimento aconteça de forma natural e até mesmo prazerosa. Em
condições de segurança emocional e conforto psíquico, o que as crianças
necessitam é de tranquilidade para viverem o seu desenvolvimento.
A ansiedade do mundo adulto não pode
contribuir para a desconstrução da infância. Os adultos interpretam que a
potencialidade da criança e o seu futuro como adulto dependem do desenvolvimento
de habilidades ainda na infância. Por isso mesmo, crianças da Educação Infantil
têm sido “atropeladas” em seu desenvolvimento com uma enorme carga de
responsabilidade que não condiz com a maturidade humana nessa etapa da
evolução. Eu tenho visto crianças com agenda de adulto. Será que isso contribui
mesmo para que a criança chegue com sucesso na fase adulta? Tenho visto tamanha
exigência de performance às crianças muitas vezes estressante e exagerada. O
sujeito infantil tem necessidade de aprendizagem e de relação sociocultural
típico de uma fase e de sua maneira de se relacionar com o mundo a sua volta.
Nós, adultos, não podemos nos colocar como
os intérpretes do mundo infantil. Na verdade, ele fala por ele mesmo. Ao
interferirmos nesse mundo, a partir da visão e interlocução que temos dele,
como adultos que somos, estaremos sim encurtando o tempo da infância. O que a
criança necessita é de ter a oportunidade de exercer o seu pensamento
sincrético que traduz e interpreta o mundo de seu jeito. Quando queremos que a
nossa criança esteja cada vez mais construindo habilidades, estamos, na verdade,
desconstruindo o mundo infantil. Ao desejarmos que crianças vivam como os
adultos, estamos dificultando a vida da criança. Precisamos estar atentos a
isso. É preciso reconhecer a criança
como ser de alto potencial de aprendizagem e com capacidade de se relacionar
com o meio, pois é isso que a torna tão especial. Mas não podemos privá-la da
infância!
Referência: Dorneles, Leni Vieira.
Infância que nos escapam. Petrópolis, Ed. Vozes, 2005.
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