Somos, como disse o poeta, ilhas no
mar da vida. Corre entre nós o mar que nos define e separa. Por mais que nos
esforcemos para descobrir o que há com o outro, jamais saberemos se não dermos
ao outro o direito de falar por si. Temos a experiência crua de enxergar o
outro, a partir do que construímos em nossa mente, sem até ter ouvido algo da
boca daquele outro. Muitas vezes somos a verdade única, a certeza absoluta. Nós
nos achamos certos, absolutos e, vestidos em nossa toga, julgamos o outro,
apenas com valores nossos. Fazemos isso com o outro desconhecido, anônimo em
nossas emoções, e também com o outro conhecido, amado e de nossa convivência.
Tenho pensado muito no outro. Esse outro
é aquele que não sou eu. Tanto faz se é o meu filho ou o meu colaborador. O
vizinho ou outro qualquer. O meu aluno, o professor... o outro. Como é
importante olharmos o outro na perspectiva dele. Precisamos ver no outro a sua
substância, a sua história e as suas manifestações. Dessa forma, as relações
interpessoais tornam-se mais saudáveis e o respeito mútuo gera cumplicidade e
afetividade. Em casa, os outros que lá existem precisam que nós os vejamos por
outro prisma. Tenho percebido que muitos conflitos (e consequentemente
afastamento entre as pessoas que se amam) vêm da forma turva que os enxergamos.
Se não vemos, como será possível o diálogo? Não podemos ser do tipo imperativo,
senhor de toda razão. A harmonia exige que, no diálogo, a escuta seja tão
prudente quanto a fala. Não podemos prover uma boa relação, sendo unilaterais.
Precisamos ouvir o outro para passar a ele a nossa experiência.
Em nossos dia-a-dia, nós, pais,
cônjuges e profissionais, muitas vezes não damos conta do outro. Achamos que a
eles cabe apenas o papel que nós atribuímos. Há momentos, e não são poucos, que
a monotonia se ocupa de tirar o brilho e a alegria de nossas vidas. Precisamos
estar atentos. Em nossos filhos, existe o outro, independente de nós, pais. Há
conflitos, desejos e também a necessidade de apoio e afetividade. Se formos
muito rudes, pode até ser que, no futuro, a felicidade nos cobre. Também não
podemos negligenciar. Aliás, seria um pecado não colocar limites aos filhos e
exigir deles resultados positivos. Com certeza a vida fará esse resgate. Contudo,
uma só coisa me maravilha: fazer tudo isso compreendendo o outro, a partir do
que esse outro é. Não o outro que em nosso inconsciente criamos, idealizamos.
Forjar o outro exige que se conheça a essência dele.
Virá o dia em que esse outro que
convive conosco estará pronto. Sabe o que ele trará? Lembranças vivas do
convívio que teve conosco. Sabe o que ele cobrará? O que fizemos por ele, a
partir das possibilidades deles. Precisamos estar atentos a isso. Não podemos
deixar que as afeições se passem à superfície. Precisam ser vividas
sinceramente. Por isso mesmo não podemos nos refutar ao amor de pais. Esse amor
é incondicional e marca substancialmente. Não pode ser
mentiroso, tem que ser real. O amor real lança responsabilidades, mas joga boia
aos que podem afogar. Por isso, precisamos estar atentos, ser presentes na vida
dos que amamos, ser parte da existência do outro. Precisamos, então, conhecer o
outro e permitir a ele que venha a nós.
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