A educação brasileira tem em suas raízes uma forte influência do que eu chamo de “jesuitismo”.
“Jesuitismo” é, na essência, uma concepção ideológica pautada em uma prática de educação doutrinária com veio autoritário, a partir do pensamento trazido pelas ordens religiosas, sobretudo a Cia de Jesus (ordem dos Jesuítas), que vieram para o Brasil na época da Colônia. Trouxeram o modelo educacional “teologizado” de Portugal e cumpriram o papel de primeiros professores.
Os jesuítas, em sua ação pedagógica, atuavam como reprodutores dos valores elitistas e cristãos. A escola era, na verdade, uma extensão da sacristia. A educação era catequética e o educador, um padre que se via na missão evangelizadora. Essa dinâmica perpetuou-se por séculos, mesmo após a expulsão dos jesuítas em 1759, sendo que essa educação tradicional, eclesiástica e centrada na autoridade do professor, persistiu até 1930.
Foi com Getúlio Vargas que a educação deixou de ser marcadamente religiosa e privada. De 1930 a 1964, período marcado pelo choque entre o ensino privado, religioso, público e laico, é que surge a “escola nova”, opondo – se ao tradicionalismo. A “escola nova” era centrada na educação da criança e baseada em métodos despidos da ideologia dominante, contrapondo os métodos tradicionais. Surge com força de lei o ensino público e obrigatório, ampliando o direito à educação a setores populares da sociedade. Era um contraponto, visto que as escolas privadas e religiosas mantinham seus valores e práticas.
O populismo do estado Getulista era sensível às reivindicações das massas populares urbanas e à inclusão dessa massa no sistema educacional. Servia também para que o poder de Vargas se reproduzisse, visto que o sistema eleitoral contemplava o direito de voto somente ao alfabetizado. É nesse período que a “nova escola” fez com que a educação se transferisse da sacristia para o palanque. As salas de aula tinham a bandeira do Brasil e o quadro de Getúlio Vargas na parede. É aqui que o “jesuitismo” passa por uma transmutação, mas não acaba. Passa a ser prática do modelo educacional estatal na versão do populismo Varguista. A constituição de 1937 introduziu o ensino profissionalizante sensibilizada pela necessidade de formar um enorme batalhão de mão- de- obra especializada para o mercado de indústrias que surgia, mas também com a missão de inclusão do operário na educação. Dessa forma, no período Getulista (1930- 1945), o ensino oficial ganhou corpo e o ensino privado perdeu fôlego. Nessa linha, visando também à reprodução da sociedade populista, mas essencialmente elitista, em 1934 foi criada a Universidade de São Paulo (USP), centro irradiador da ideologia dominante que ia ao encontro dos anseios de uma classe média urbana, formadora de opinião e baluarte do conservadorismo.
No período democrático (1946 a 1964), a educação ganhou um novo impulso. Incentivou-se o ensino secundário, a educação do surdo, dos deficientes visuais, e começou-se a política de distribuição do material didático. É nos anos 50 que Paulo Freire desperta a curiosidade dos educadores com reflexões revolucionárias acerca de métodos e da proposta educacional vigente.
Com o regime militar (1964-1985), passamos a viver o período de “desânimo educacional” (Moacir Gadotti- 1993). O regime militar tomou para si todo o autoritarismo do “jesuitismo” e promoveu reformas no ensino que moldavam o sistema educacional aos interesses dos militares. A educação foi despolitizada e a partir de ações como o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), o modelo educacional passou a dar resultados manipulados para servir de propaganda ao sistema.
Com o fim do regime militar (1985) pôde-se respirar os ares da liberdade e os educadores se lançaram em debates exaustivos na busca de novos paradigmas para a educação brasileira. A Constituição de 1988 estende o direito de educação a todos e fala em educação para a cidadania e qualificação para o trabalho. O ensino é livre à iniciativa privada e temos investimentos vultosos no ensino superior. A escola, em seu espaço e prática, vive reformas democráticas. Os professores estabelecem diálogos com os alunos, e métodos e propostas são experimentados. Mas e o “jesuitismo”, será que superamos definitivamente essa influência e prática?
A sala de aula de hoje não é uma sacristia e nem um palanque populista, é verdade. Porém, há na própria ação dos professores práticas do “jesuitismo”, que são produzidas no relacionamento professor-aluno. Os professores ainda se colocam diante da classe, no seu discurso e prática, como reprodutores de valores e doutrinas. Para eles o espaço da classe é o seu centro de poder. Mesmo que não façam pregações religiosas ou políticas, nas aulas que ministram, passam os valores e as ideologias que carregam. Como membros de uma classe social, os professores, ao exercerem o magistério, exercem também o poder de influência, reproduzindo o sistema dominante; mesmo que pensem que sua prática seja contestadora, é apenas uma manifestação de construção da ordem vigente e não de desconstrução. É o “jesuitismo” em sua versão contemporânea.
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